Expectivar

Começo este texto sem saber se o conseguirei acabar, sem saber qual será  o seu fim ou se conseguirei expôr devidamente as ideias que me ocorrem. Vou falar de expectativas.

É expectável que deixamos de gostar de alguém que fez algo julgável. É expectável que determinadas atitudes nos afastem uns dos outros. É expectável que sintamos a morte de forma intensa. É expectável que soframos com as mudanças drásticas na nossa vida. É expectável que trabalhemos e que sejamos sempre capazes de integração. É expectável que se um filho segue um percurso, o outro vá pelo mesmo caminho. É expectável que as pessoas se casem e que façam uma festa grande. É expectável que queiramos todos ser inteligentes e ricos. E, no fundo, esta expectativa toda só nos atrapalha a vida.

Antes de mais porque somos pessoas diferentes. Era expectável que eu tivesse um nariz parecido com alguém da minha família e entre pais, avós, tios e primos, não há quem tenha um nariz como o meu. O que não significa que eu seja adotada ou trocada na maternidade. Da mesma forma que era expectável custar-me estar cá, longe de todos. Era expectável que a partida fosse dura, que sentisse o coração apertado no aeroporto. Não foi. Os meus pais estavam ali, como noutras vezes em que fui para voltar em 2 ou 3 dias. A minha mãe estava apenas preocupada pela possibilidade de me magoar, do avião cair ou outro qualquer desastre acontecer, exatamente como para uma ida curta. Eu estava entusiasmada e feliz com a possibilidade de correr tudo bem, de aprender mais e conhecer mais. Não há o que temer. Há meios de comunicação infinitos, aviões baratos e desastres em todos os lugares. Era expectável que eu sentisse saudades de tudo e de todos e não sinto. Sinto apenas que é diferente, com coisas diferentes num lugar diferente. Mas bom, sempre bom.

Eu sou pragmática e ajuda-me a que toda a gestão de emoções seja mais fácil. É verdade, também, que, pelo mesmo motivo, quando o pragmatismo se desvanece, o turbilhão de emoções passa dos 0 aos 100 muito rápido. Mas sempre que todos os assuntos estão bem resolvidos entre o Tico e o Teco não há muito que me abale. Na pior das hipóteses, o que me abala dá-me vontade e ideias para mudar o mundo. Era também expectável que eu já tivesse trabalho. Pelo menos era expectável na minha ótica. Mas não tenho, dia a dia resolvo o incómodo que surge e tenho vivido muito bem com a superação da frustração.

Desde cedo me lembro de apreciar a decisão rápida, ou é ou não é. E, por isso, incomoda-me que me imponham sentimentos. Que não acreditem que as minhas palavras significam exatamente o que elas são. Incomoda-me que se espere sempre uma reação extrema, para o positivo ou para o negativo, nas mudanças repentinas. Torna-se o drástico, o repentino e o inesperado em dramático. Não estamos no teatro, não precisamos de sentir com toda a força possível para que se compreenda. Não vivemos uma novela em que a história começa e termina sempre da mesma forma. Não sentimos todos de forma igual e não temos de sentir igual ao vizinho ou à televisão.

Lamento desapontar-vos mas, da mesma forma que tenho mais saudades da minha cadela do que dos meus pais - porque o Skype existe, prefiro não chegar na hora triste (porque todos lá vão estar) quando não acrescentarei nada, e levar a festa como vida nova e fresca. Tornemos as horas tristes menos tristes e as felizes mais privadas. Não faz mal se continuarmos a gostar de alguém que fez algo errado. Tornemos o que realmente importa menos expectável, menos igual, menos comum. Afinal, qual seria a graça se tudo fosse como esperado e eu não pudesse procurar de quem herdei o nariz?
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