A zona de conforto pode ser desconfortável


Cento e sessenta dias depois de ter levantado voo à oitava hora do ano em direção a Innsbruck, estou a salvo, vivinha da silva e já com uma bagagem interessante de experiências. Se no primeiro mês houve a fase de reconhecimento de território dentro e fora de casa, arrumação de tudo o que trouxemos, decoração e personalização de um espaço novo e nosso, uma série de rotinas a adquirir, o (re)descobrir do que é morar num lugar cheio de neve, o entusiasmo do que viria a ser descoberto e uma entrevista de emprego que chegou muito rápido, o segundo mês foi tempo de assentar os pés na terra. Ao contrário da meta que eu limitara e, de acordo com o que me diziam, o trabalho não chegou rápido e tive de abrandar o ritmo para sobreviver. Comecei a aceitar que se os meus dias tinham, finalmente, horas sem fim, o melhor a fazer seria aproveitar essa vantagem. Passei a não definir horas para nada e a aproveitar a oportunidade de poder fazer depois, se não me apetecesse no momento. Comecei a definir tarefas sem prazo e sem punição se demorassem muito a serem feitas, coisa que começou a funcionar maravilhosamente bem. O tempo tem passado muito rápido desde aí, porque estou mais lenta e não tenho pressa para nada. Este meu novo lado poderia irritar o meu eu atarefado, mas é uma adaptação necessária. 

Os terceiro e quarto meses foram de muito passeio, de desfrutamento do que estava tão bem encaminhado. As oscilações emocionais deram lugar a uma serenidade assustadora: estava tudo demasiado bem. Comecei a sentir-me a estagnar, a ser levada pelo tempo que tenho e a sentir-me demasiado confortável. Foi isso que me fez tomar uma decisão no início de maio: pôr um fim ao tempo livre com as armas que tinha. Já que o alemão ainda não está suficientemente bom para passar a procurar outro tipo de empregos, como serviços, e as empresas na minha área não estão em fase de recrutamento de malta sem experiência, o plano B passou a ser uma realidade. Felizmente esse plano mantém-se em segundo lugar porque um dia depois de decidir mexer-me noutro sentido, marcaram-me duas entrevistas de emprego. Na primeira passei a uma segunda fase e quanto à segunda, ainda estou sem novidades. O quinto mês que prometia tirar-me o sossego e arranjar soluções para sair da zona de conforto que me assusta, foi um mês de esperança e revitalização do sonho. Sonho esse que ainda pode ficar por terra no sexto mês. Mas se assim for, estou aqui para uma nova readaptação.

Quanto a toda a transformação emocional, consigo manter tudo o que disse anteriormente: preferia ter trazido os meus amigos e família, mas não tenho saudades. Sinto falta das saídas à noite e das atividades que aqui (ainda) não são sequer hipótese por causa da língua, mas não sofro ou deprimo por elas, é mais uma nostalgia que vive em mim e que, um dia, me vai fazer ir atrás de todas as pessoas de quem gosto e que não couberam na mala de porão. Se planeássemos ficar aqui para sempre, talvez sentisse essas saudades, essa falta que ultrapassa a sensação desagradável de nostalgia. Mas não é, para o bem e para o mal, isto é apenas uma fase. 

Falta ainda refletir quanto à adaptação social, que como casal está a ser extremamente serena e com rigorosamente nenhuma dificuldade - exceto eu nunca estar calada e o Pedro ter de me ouvir sempre a falar de assuntos novos. Exteriormente, começamos sair com pessoas que moram cá, os vizinhos começam a reconhecer-nos e cumprimentam-nos familiarmente - mesmo quando vão em soutien aos arrumos -, nas lojas compreendem o nosso alemão e conseguimos responder na língua nativa sem, geralmente, recorrer ao inglês. Já conheço os senhores dos correios, os lugares de tudo nos supermercados e estamos bem encaminhados quanto ao conhecimento das tradições locais.

Resumindo, para mim não há nenhum lado mau. Há fases que não são boas mas existem para nos tirarem da zona de conforto e ensinar-nos que há sempre uma volta a dar. 
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