Vamos lá falar de parvoíces

Embora tenha sempre o que dizer, não gosto de comentar assuntos polémicos, revistas cor de rosa é o que mais há e a minha opinião não faz falta nenhuma. O cor de rosa tem-se expandido com as redes sociais de forma tão deprimente quanto encantadora (e por isto gosto tanto da crónica do Ricardo Araújo Pereira na Visão desta semana - ainda não está online). Entristece-me que o jornalismo português esteja a seguir caminhos tão tristes, que a maioria das notícias que leio diariamente sejam sensacionalistas, deixem dúvidas quanto à imparcialidade e às fontes. O jornalismo já teve mais postura, mais classe, já foi um gentleman e agora, tanto quantos os gentlemen, é preciso um grande filtro para encontrar escrita a esse nível. É preciso escarafunchar e procurar, o bom jornalismo não está por todo o lado e o mau assalta-nos todos os dias mal abrimos o computador.

Tudo isto porque eu não queria comentar a história da novela que se passa aqui, nesta cidadezinha à beira-mar plantada - que já foi tão imponente, mas que perde distinção e características de cidade a cada dia que passa. A história, segundo o que consegui apurar de forma mais ou menos imparcial, é a seguinte: uma senhora morava numa casa alugada até ao final do ano passado. Segundo o que esta senhora escreveu no facebook, o senhorio faleceu e, tendo em conta atrasos no pagamento da renda da casa, o contrato de aluguer foi anulado e teve ordem de despejo. A senhora saiu e uma prima cedeu-lhe uma habitação social que estava em sua posse. Portanto, uma habitação social à qual se perde o direito se a pessoa a quem foi entregue deixar de a habitar estaria desocupada, e passava a ter um novo dono. Ou seja, a casa foi cedida por alguém a quem esta tinha sido cedida - tipo a ideia de emprestar livros que não são nossos. Adiante, como esta senhora e a prima que lhe prontificou a casa estavam a infringir as regras - leia-se lei -, foi-lhe ordenado que abandonasse a casa. A senhora não o fez, o que obrigou a intervenção da polícia. A senhora acha, portanto, uma injustiça, ainda que lhe tenham sido dadas alternativas: uma instituição de acolhimento ou um T0. Há três dias que esta senhora e os amigos estão em frente à câmara municipal em protesto.

Agora a parte nada imparcial e que me faz estar a escrever isto, o porquê de mexer aqui dentro, mexer-me com os nervos. 

Antes de mais o sensacionalismo e a importância dada a este caso. Compare-se esta página e esta. Um jornal como deve de ser, que assim que o tema deixou de ser novidade deixou de comentar, versus outro que alimenta alegremente a parvoíce da situação.

Depois todo o ridículo da situação. A senhora em causa diz que só quer um teto, mas uma instituição não é solução e um T0 não tem condições para ela criar as filhas. Mais ainda, sente-se no direito de ter uma casa, porque pronto, há quem tenha vida fácil; há quem dê despesas ao estado desde que nasceu, sem nunca aproveitar o que o estado lhe dá, ou simplesmente retribui o que quer que seja (subsídios escolares, pequeno-almoço para um crescimento adequado, aulas à borla, oportunidades para conseguirem chegar mais longe do que os pais... em que a retribuição é exigir tudo o que querem e magoar os olhos e a sensibilidade linguística dos outros cidadãos com erros ortográficos e coisas que nem palavras são).

Esta senhora vive do Rendimento de Inserção Social, ou diz que assim é. Uma rápida visita ao facebook diz que ela é casada com um sargento do exército. Isto não é necessariamente verdade, no facebook podemos ser aquilo que quisermos. De qualquer forma, significa que não há só este rendimento naquela casa. O que se vê pela televisão e outros pertences da casa. Falando em objetos naquela casa, quando a senhora foi expulsa de casa, enquanto uns foram manifestar-se diante da câmara municipal, outros foram até à casa despejada, vandalizá-la em jeito subtil de vingança.

Finalmente, o que mais me deixa impressionada é a quantidade de gente que a meio da tarde está disponível para fazer manifestações, barricar entrada a polícias, manifestar-se dia e noite em frente à câmara municipal, fazer figuras tristes, fazer sentir vergonha alheia.

Não gosto de conhecer este mundo; não gosto de morar no mesmo mundo desta desgraça. Não que tenha problema com a desgraça, ela existe sem que se a procure, mesmo fazendo pelo contrário. Mas neste caso existe porque se procura, porque não se contraria. Isto sim, mexe-me com os nervos fortemente.   


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