Abraçar por um mundo um bocadinho melhor

O meu nome é Manel. Tinha 10 anos e estava no terceiro ano. A minha mãe, às vezes, esquecia-se de me ir buscar e era estranho quando alguém se preocupava comigo. Não tinha as mesmas atividades que os meus amigos, nem sequer ia à catequese. Mas consegui que me deixassem praticar um desporto de equipa, embora não participasse nos jogos. Não participava porque federar-me custava dinheiro e a minha mãe não tinha. Havia outros colegas assim na minha equipa. Os diretores acreditavam que era bom para nós podermos, pelo menos, treinar. Mas era muito duro não terminar o objetivo, não jogar quando todos os que-tinham-famílias-normais o faziam.

O Manel tem 10 anos agora e um dia, se conseguir crescer bem, poderá contar-nos esta história. Ele tem-se magoado todas as semanas. Vem ter comigo e não fala muito, mas sorri quando lhe faço muitas perguntas. Enquanto lhe gelo as lesões, sinto o coração dele a aquecer um bocadinho. Sinto-o a estranhar aquela preocupação e atenção, enquanto a vai guardando. Nesses momentos apetece-me abraçá-lo. Apetece-me dizer-lhe que se ele lutar muito pode aprender mais do que o mundo lhe tem mostrado.

Queria falar com a mãe do Manel para que ele pusesse muito gelo no pé. Disseram-me que não o fizesse porque não serviria de nada. Mas insisti e falei. Foi a conversa mais estranha que tive nos últimos tempos. Enquanto eu falava e explicava tudo direitinho, à minha frente estavam uns olhos muito distantes, muito vazios, com olheiras gigantes que me olhavam semi-cerrados. A mãe do Manel não se esqueceu dele naquele dia, mas só chegou depois de todos os pais terem saído e valeu a pena ter insistido e esperado por ela. Na semana seguinte o pé do Manel está muito melhor. Ele tinha posto gelo, muito gelo.

Eu não posso abraçar o Manel quando o coração dele se derrete, mas posso abraçá-lo falando com a mãe dele. E ainda bem que o fiz.


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