Já se ouvem os pássaros lá fora

Gosto muito de morar em Innsbruck. Gosto de ter sempre alguém por perto que se ri quando falo com o computador, que me mostra o lado bom quando eu me cansei de escarafunchar por ele. Gosto que a cama seja grande e gosto que seja partilhada. Acho que gosto de a partilhar por ser grande, por ter espaço para dormir sem morrer de calor. Gosto do sofá da sala pela mesma razão: permite que co-habitemos sem nos fartarmos um do outro. Gosto que a parte mais fácil de todas seja morarmos juntos, ao contrário de todas as previsões negras que nos fizeram.

Não gosto quando fico sozinha até depois das 17h, é tempo demais a ouvir-me a mim própria. Mas gosto de descobrir que ter tempo para mim é bom. Ter tempo para deixar o verniz das unhas secar é bom. Poder arrumar quando me apetece, limpar quando me apetece, cozinhar quando me apetece, sair quando me apetece, escrever no blog e candidatar-me aos empregos do dia quando me apetece afinal é bom. Eu sei, é bom porque não me lembro de algum dia ter tido este tempo. É bom fazer o exercício de não me exaltar porque não fiz determinada tarefa a determinada hora e de seguida ser mais chato porque morro de cansaço. Ter tempo para descansar é bom.

Adoro ter voltado ao exercício. Adoro começar a ter alguma disciplina e bastante necessidade nesse sentido. Adoro os efeitos que provoca em mim: menos cansaço, mais auto-estima. Ainda me custa sair de casa, mas culpabilizo-me nos dias em que não faço qualquer coisa. Adoro a sensação de músculos cansados e adoro o tempo de qualidade que tenho comigo mesma enquanto faço exercício.

Gosto das rotinas que construímos. Ele trata da louça e eu da roupa. Eu cozinho só de vez em quando e ele gosta todos os dias mais de cozinhar. Odeio o cheiro da comida fria, principalmente se incluir legumes. Não me deixo aspirar nada ainda que esteja a precisar porque, caso contrário, estaria, por esta altura, com todo este tempo livre, a dar em maluquinha por cada vez que entro na sala de sapatos calçados só para pousar os sacos das compras ou então porque nos apeteceu lanchar no sofá. Gosto que o sábado seja dia de arrumação e todos os outros dias não haja o mínimo stress com isso.

Odeio não ter trabalho e odeio a sensação de inutilidade que me assalta. Tenho vontade de procurar trabalho noutras cidades, mas reconheço que ainda não estão esgotadas todas as opções, que as empresas têm fases diferentes de recrutamento e que desistir sem evoluir mais no alemão é desistir ao primeiro impedimento. Não falando no prejuízo que a casa nos daria.

Já não sinto saudades. Nem do bebé da família, nem da minha cadela. Menos ainda da bolacha americana. Estou meio conformada, meio habituada. Sei que não morarei longe de Portugal para sempre e isso basta-me para não custar nada. Literalmente nada, não pensem que exagero. Gosto de ter aprendido a gerir a falta das coisas e das pessoas. Gosto de encontrar aqui, todos os dias, coisas novas que me fazem gostar mais das montanhas, do seu cheiro e do seu sol. Gosto que os dias sejam maiores e valorizo muito mais o sol agora.

Relativamente ao tempo livre, gosto dele para ser capaz de valorizar as coisas importantes. Não me canso de ir à janela e de me ver cercada por montanhas. Já se ouvem muitos pássaros, sabiam?
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