10 de julho, o novo 10 de junho

Foi um domingo de bronze, prata e ouro. Portugal, aquele país à beira-mar plantado que tem a sua população espalhada por este mundo fora, cerca de 30 milhões de pessoas entre locais, emigrantes e luso-descendentes, deu um baralho completo de cartas a nível desportivo. Este não é um blog sobre atualidade, mas houve muitas emoções envolvidas e que merecem ser descritas.

Falo de futebol. Ao ciclismo e ao atletismo não assisti, mas assisti ao futebol. Fomos para um teatro onde transmitiriam o jogo de futebol de Paris e onde estavam outros portugueses. Foi emocionante ouvir o hino. Literalmente emocionante. Eu dificilmente choro com as situações da minha vida. Mas choro com os filmes, os livros, as séries e com as novelas. E o hino, o sentimento dos jogadores, o eco do estádio e nós ali, na expectativa para o que sairia daquele campo, daquele jogo, das horas que dali se seguiam, arrepiou-me ao ponto de me deixar os olhos com água. O jogo começou, o teatro encheu e eram muito mais os apoiantes da seleção nacional francesa do que da portuguesa, incluindo os comentadores austríacos. Quando o Ronaldo se lesionou eu só o mandava sair de jogo. Era a massagista que há em mim, muito mais preocupada com as lesões do que com o decorrer do jogo, o que querem? Aquele joelho não chegaria ao final do jogo e ele saiu (como eu mandei). Foi um momento muito intenso. A equipa demonstrou um apoio, que só numa equipa, no sentido verdadeiro da palavra, é possível. E o Ronaldo sofreu aquela saída. Ele tem como trabalho marcar golos e chegando a uma final como esta, saber que não poderia sequer tentar marcá-los é doloroso. Ele sofreu e sofremos todos com ele, a lesão e a falta que poderia fazer. Por outro lado, seria possível mostrar ao mundo que Portugal não é só Ronaldo e que um cigano português picado vale por uns quantos Ronaldos. 

Entretanto, o calor que aqui faz pela noite dentro tornou aquela bonita sala de espetáculos num lugar insuportável. Ao intervalo fomos para casa de um português e de uma italiana ver o restante jogo. Ficamos mais isolados, mas ficamos bem mais confortáveis. 

A verdade é que na primeira parte achamos que era uma questão de tempo até à seleção francesa marcar. Só o Rui Patrício via isto e apanhava todas as bolas que se aproximavam sem confiar muito nos defesas que tinha à frente. Chegar ao final da primeira parte com um empate era já bem bom e deixava uma réstia de esperança para que a o nosso fado não se cumprisse e o percurso até ao momento no campeonato se repetisse. Quando ligamos a televisão e a segunda parte já havia começado, respiramos de alívio por França não ter marcado. Foi aí, nesse momento, que começamos a acreditar que talvez fosse possível. Os jogadores franceses demonstravam o cansaço na cara. Os portugueses demonstravam nos joelhos, a equipa médica entrava e saía, a garra mantinha-se. Aos 75 minutos disse que faltavam 45 minutos. À minha volta ainda duvidaram. Mas assim foi. E depois de um quase golo incrível do Quaresma, uma sorte do caraças com a falha do Pepe e da impossibilidade de defesa do deus Rui Patrício, existiu um golo. Foi aí que fomos dos 0 aos 100, em momentos. Saltamos dos sofás e gritamos. Depois só rezávamos para que chegasse ao fim do prolongamento. E chegou, muito devagar, mas chegou. Fomos à janela gritar Portugal, vimos a felicidade dos jogadores e fomos felizes juntos, ainda que a vitória fosse deles, só deles, desde o mérito que têm, ao dinheiro que recebem. Mas é de todos quando são uma seleção, quando é um pedacinho de Portugal que está ali e quando, independentemente da localização no espaço, em Português nos unimos.

Depois saímos à rua, plena baixa e ninguém gritava Portugal. Gritamos nós e vieram uns rapazes à janela gritar connosco. Não eram portugueses. Passamos por vários lugares onde o jogo tinha sido transmitido e mesmo aqueles que estavam com equipamento português, não festejavam. Nunca quisemos tanto um tele-transporte como naquele momento. Em Portugal havia muita festa e aqui não. Na internet, uma amiga que está na Holanda partilhava a opinião e dizia «Pelo menos aí são dois». Ligamos e, a caminho de casa, festejamos com ela por telefone. Enquanto isso, os austríacos dormiam. As ruas estavam desertas e o nosso prédio estava completamente desligado. Fomos ver a festa pela internet e acabamos por dormir 5 horas. A festa estava do outro lado da internet, mas estava. É nestes momentos, em que somos todos um que a internet ainda tem limites. Mas também é aqui que a internet aproxima o que a distância espacial não permite. 

Haja patriotismo com fair play. Não só no futebol, mas no atletismo e no ciclismo (se não incluir doping) também. Que isto é bem mais giro quando não há histerismos e parvoíce por clubismos. E teria sido bem mais bonito ver um bom perder de França, em que a torre Eiffel não seguiu o trajeto dos dias anteriores, não ligou as luzes com as cores do vencedor e em que, mesmo antes da final, os franceses se intitularam campeões. Num dia em que o Éder nos deu uma lição de moral, não foi bonito que o governo francês permitisse que se aumentasse a xenofobia dos menos informados. O fair play existe dentro e fora de campo, quando ganhamos e, acima de tudo, quando perdemos. Também se devia ensinar isto nas escol(inh)as.
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