Educação ou desresponsabilização?

Depois de ler a notícia sobre a intenção do governo de alargar o tempo que os alunos até ao 9º ano passam na escola, senti-me incomodada e preciso mesmo de vos explicar porquê.

Comecemos por um episódio que se passou há mais ou menos 10 anos, quando frequentava o 8º ou o 9º ano. Nessa altura, já gostava de escrever sobre o que me apetecia e sobre o que acontecia mais do que escrever sobre o que as professoras queriam nos testes, tanto que até ponderei ser jornalista, e escrevia frequentemente para o jornal da escola. A par do desaparecimento de tempos livres quando os professores faltavam, que passou a ser coberto por aulas de substituição, escrevi um texto muito reivindicativo sobre o tema. O que é certo é que ainda hoje, embora compreenda melhor as razões, não acho que seja nada produtivo - um dia destes vou procurar esse texto. A publicação foi feita e pouco tempo depois, o jornal, o meu querido Barquinho de Papel, recebeu um prémio. Eu, outros alunos e professores fomos representá-lo à Praça da Alegria na RTP. Lembro-me do Jorge Gabriel me pedir um exemplo do que escrevia no jornal. Falei-lhe desse texto e, de imediato, a diretora da escola interviu e cortou-me a palavra, não me deixando explicar, em plena televisão, porquê que eu, com 13 anos, achava importante o tempo livre com os amigos que se proporcionava quando menos esperávamos. O primeiro problema nestas medidas que pretendem ocupar o tempo livre aos alunos está aqui: será que já pensaram até que ponto é que isso é importante para os adolescentes e até onde é que isso não lhes limita a criatividade, o desenvolvimento de outro tipo de inteligências que não se desenvolvem em salas de aula? Até que ponto é que isto não é só bom para os pais que os têm sossegadinhos e enclausurados como animais numa jaula?

No meu ponto de vista, a escola está cada vez mais moldada para um tipo de pessoas. Ao contrário do que se fala, da necessidade de fazer profundas reformas no ensino, a escola cada vez afunila mais. Os resultados não são positivos e isso é tão fácil de ver quanto pelo número de alunos que há 10 anos atrás tinham explicações antes do secundário e os que têm agora. Não sei se é senso comum, mas há muitas crianças que depois das atividades da escola até horas tardias, têm trabalhos de casa para fazer e explicações. O tempo livre é importante. O tempo para fazer asneiras, para mentir aos pais, para o desenvolvimento da responsabilidade que vem com os erros faz parte do crescimento. Além disso, há as atividades fora da escola que só as frequenta quem realmente quer e lhes dá valor porque são pagas. Digam-me lá que são essas atividades que vão passar a existir na escola e eu rio-me. Eu respondo: não, não será a mesma coisa, começando pelo tamanho e pela heterogeneidade natural das turmas numa escola pública. Por exemplo, lembro-me de ter 3 anos de natação na escola primária e não aprendi a nadar. Depois disso, aulas pagas pelos meus pais fizeram-me aprender a nadar num ano. E as línguas? Eu acho que o inglês não se aprende na escola, só tive um ano de bom inglês na escola. O inglês, e outras línguas, aprende-se ou em aulas privadas ou com um conjunto de informação que adquirimos em filmes e jogos em casa. A escola complementa, mas não está estruturada para um bom funcionamento.

Podia continuar com os meus argumentos, experiências próprias, mas acho que resumo tudo da seguinte forma: pessoas que só sejam estimuladas para uma responsabilidade autónoma aos 15 anos vão ser pessoas que sairão de casa dos pais aos 40 anos. Pensem nisto!  


Próximo post:
« Próximo post
Post anterior:
Post anterior »
4 Comentários fofinhos
avatar

A ironia subjacente a isto é que é esperado que a Escola nos proporcione competências e nos faça evoluir (nem vou entrar no campo do "gosto de aprender" vs notas, porque há ainda mais pano para mangas). Grande parte dessas competências até nem são técnicas porque, com mais treino ou menos treino, acabaremos por ganhá-las se o sistema estiver bem construído. Mas as competências sociais que advém de brincar, passar tempo com os outros, experimentar, sujar-se, não pensar na escola e conhecer o Mundo lá fora com brincadeiras, explorações ou, simplesmente, respirar o ar livre, começam a perder-se com estas medidas.

Começa a formatar-se uma sociedade para resultados, para saberem que é normal estarem das 9 às 18 dentro de um edifício a realizar tarefas que os outros os incumbem de fazer (e nada de reclamar!), para se esquecerem das cores da Natureza, e ficarem focados apenas no cinzento dos teclados. Claro que depois não sabemos meter conversa com outras pessoas sem ser pela caixa de comentários do Facebook ou por SMS, não se desenvolvem competências sociais enquanto os miúdos são novos. E para essas competências, ao contrário da tabuada, só temos uma janela muito limitada de tempo para aprender sem que a nossa maturidade saia afetada.

Grande parte do que digo aqui até pode ser visto do prisma Escola Pública vs Privada, mas isso fica para outros posts :p

Responder
avatar

É isso mesmo. Trabalhar das 9h às 18h é para quando já não precisarmos de brincar e não tivermos uma personalidade por descobrir. Muitos argumentos contra, poucos a favor. :)

Responder
avatar

Ando há já uns tempos com um post alinhavado sobre o assunto. Escola, excesso de trabalhos de casa, aulas de substituição. Parece-me que nos estamos a esquecer que a escola tem que forma cidadãos, não máquinas, e para isso é preciso tempo livre, é preciso socializar, conviver. Diria até que é fundamental... Eu adorei a escola, mas o que mais deixa sorrisos são as tarde a apanhar sol nas bancadas, os "spots" da turma daquela ano, a felicidade genuina de uma folga inesperada... Aiii! Um dia que organize as ideias falo sobre o assunto :D

Responder
avatar

Têm saído imensas notícias sobre a necessidade de mudança na escola e também tenho sentido isso de organizar ideias. Aqui ficou uma pequena parte de tudo o que há para dizer e, por isso, fico à espera desse post!

Responder