Medo

Todos sentimos isto, em maior ou menor escala. Todos ouvimos, lemos e assistimos a notícias que nos alimentam os pensamentos negativos, a ansiedade, a sensação de insegurança, a sensação que a calma que faz ali fora, ali nas montanhas, é uma calma fria e matreira. Às vezes somos capazes de deixar passar o abalamento, de deixar andar porque foi longe, porque é um assunto pontual. Mas depois deixa de ser pontual. Depois deixa de ser um caso particular, em lugares onde não conhecemos ninguém. Passa a ser connosco também. Começamos a sentir o aproximar nos calcanhares, bem devagar e rasteiro. Começamos a ter um medo que parece ser real.

Li há pouco esta notícia, onde dão um destaque gigante a uma pequena referência. É o sensacionalismo deste jornalismo fácil que trespassou as revistas cor de rosa e o Correio da Manhã. Almas frágeis, depois da leitura da tal notícia, ficam a acreditar profundamente que o próximo ataque terrorista será na Península Ibérica. Mas, na realidade, eu, que fui ler o tal relatório, vi que apenas é feita a referência de ameaças a esta península, no mesmo patamar que outros cinco países europeus. 

É assim que as notícias amedrontam. É nestas vezes que não deixamos passar em branco, pela proximidade. Mas também é assim que se sente a necessidade absurda de fazer do jornalismo um negócio e não informação. Ponderada, detalhada e fidedigna. É assim que não gostamos deste mundo e que queremos mandar parar tudo e desistir do jogo. Já não tem graça. Não tem graça jogar com batota.

Em fevereiro surpreendi-me com as armas que os polícias carregavam na estação de comboios de Munique. Depois habituei-me. Há-os por toda a Europa e, confiando neles, só nos sentimos mais seguros. Na última vez que dormi no aeroporto de Munique, dei por mim, pela primeira vez, com algum receio. É um aeroporto central, muito importante e cheio de gente, durante a noite e a qualquer hora do dia. Aquele receio que falava, chegou-me aos calcanhares nesse dia. Menosprezei. Não voltei a lembrar-me de tal coisa. Mas depois houve mais ataques, tantos em tão pouco tempo. E em alguns dias voltarei a dormir em Munique, no aeroporto,voarei para Espanha, depois para Portugal e chegarei a casa de comboio. São muitos lugares com muita gente e os meus calcanhares não sentem nada, mas fica a ideia. Aquela ideia que vou apagar até lá. Mas é essa mesma ideia que nos faz olhar de forma desconfiada para o nosso vizinho porque ele é preto, branco ou amarelo. Eu vou esquecer porque olhar para o vizinho por essa razão, não faz sentido. Porque uma vez ia num passeio largo e, ainda hoje, não sei que raio de instinto me salvou de um atropelamento parvo. Porque é isso, simplesmente isso. Não há certezas de nada. E isso também é muito bom.

[Já tinha este post escrito quando, em Bruxelas, um estudantes, que fazia testes de radiação, foi identificado como suspeitos porque tinha fios pendurados. O medo torna-nos ridículos.]
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